Flânerte/Flânerie

Cesário Verde: Sentimento de um Ocidental

III – Ao gás

E saio.  A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.


Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.


As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.

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.

Edgar Allan Poe: Man of the crowd

Ce grand malheur, de ne pouvoir etre seul.

La Bruyere

(…)

This latter is one of the principal thoroughfares of the city, and had been very much crowded during the whole day. But, as the darkness came on, the throng momently increased; and, by the time the lamps were well lighted, two dense and continuous tides of population were rushing past the door. At this particular period of the evening I had never before been in a similar situation, and the tumultuous sea of human heads filled me, therefore, with a delicious novelty of emotion.

I gave up, at length, all care of things within the hotel, and became absorbed in contemplation of the scene without.

At first my observations took an abstract and generalizing turn.

(…) (ler mais)


Flânerte/Flânerie:

  • O termo surge na literatura na primeira metade do século XIX.
  • O exemplo clássico da literatura que se associa ao termo: Man of the crowd de Edgar Allen Poe. Sobre este texto vários filósofos e escritores escreveram ensaios como o Walter Benjamin ou o Baudelaire.
  • Exemplo da literatura portuguesa: Cesário Verde.
  • Conceito está relacionado com o acto de deambular pela cidade e assim apreender e assimilar a metrópole.
  • Durante muito tempo foi representado exclusivamente pelo sexo masculino, o flaneur era como um observador que ia coleccionando notas do que via à medida que estava a vaguear pela multidão.
  • Geralmente toma parte no que está a acontecer nas ruas mas ao mesmo tempo, distanciando-se.
  • 2 posições simultâneas: de filosófico e de testemunha à margem; e estratega urbano subversivo.
  • Termo associado à cidade porque o seu ritmo propicia uma certa alienação e dialéctica interiores. Isto relaciona-se segundo autores (ex:Tom Holert) com estéticas e estratégias políticas que perpetuam uma suspeita social aliada a uma alienação funcional que poderá ser interpretada à luz do que é a psicogeografia. (saber mais)

Algumas citações:

“It [the city] unfolds before him [the flaneur] like a lived landscape, it encloses around him as a parlor”(Walter Benjamin)

“the werewolf rambling erratically around in the social wilderness” (Walter Benjamin)

“the city is construed and experienced as a mythological natural space, one that however no longer has anything inherently primordial” (Tom Holert)

“landscape switch from one hour to the next will ensure that one continually feels alienated” (Gilles Ivain)


Exemplos de artistas contemporâneos: (apresentados por mim)

Richard Long, Heaven and Earth, 2001

Richard Long, Uma linha feita a caminhar, 1967


Referência para Land-Art, Richard Long tem preocupações com a própria experiência do espaço e das suas mutações à medida que vai andando e registando o que vê (quer em textos quer em imagens).


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Mark Wallinger, Zone, 2007

Mark Wallinger, State of Britain, 2007


Mark Wallinger trabalha sobre a ideia da (in)existência de fronteiras e limites e a sua transposição.

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Sophie Calle, Suite vénitienne, 1980


Sophie Calle deambulou por Veneza até ocasionalmente encontrar Henri B. e segui-lo (motivo que a levou primeiramente a ir até à cidade). Regista tudo com fotografias e apontamentos detalhados dos quais se apresenta um exerto sobre o confronto dela com Henri B. “I could touch him. (…) He’s alone, I’m getting too close to him. I am becoming careless. (…) I’ve got to get a hold of myself. I lean against a column and close my eyes. His solitude made me audicious. I’ve diverted him from his course. he’s intrigued. I should keep my distance, and yet I stay close. Perhaps I’m weary of playing this out alone. I open my eyes; he is in front of me quite close. We are alone. He doesn’t say anything. He seems to be absorbed in thought – a few seconds’ respite – is he trying to remember?” in Double Game by Sophie Calle

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Sam Taylor-Wood, Escape Artist, 2004

Sam Taylor-Wood, Self-portrait suspended, 2004


A suspensão das personagens foi vista como exemplo literal da tradução da alienação, de estar à deriva.


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Carmela Garcia, Ophelia III, 2001

Bill Viola, The Messenger, 1986


Referências ao quadro de Millais (Ophelia) mas em vez de se traduzir uma ideia de fantasia ou do onírico, está antes subjacente o estado de estar submerso num adormecimento (tentativa de emergir desse limbo?).


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Pina Bausch, Cafe Muller, 1978


No seu trabalho procura aliar gestos do quotidiano à técnica da dança (e do teatro) recorrendo para isso à repetição. No excerto duas mulheres estão perdidas numa cegueira literal que as torna quase fantasmas que vagueiam alienados de tudo o que está à sua volta.

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