Boa tarde professor!

Apesar de eu não lhe ter entregue o portfólio na data indicada por si, tal como tinha referido, devido à sua elaboração dependente de processos manuais e mecânicos morosos, recordo-me de ter ficado de lhe entregar uma espécie de relatório na sexta feira. Porém, não me foi possível comparecer a essa última aula devido à acumulação de directas e a uma entrega do dossier de técnicas de impressão na sexta-feira de manhã. Ainda assim produzi, mais em género de reflexão, um pequeno documento acerca do meu trabalho referente a atelier de multimédia, no qual consta o seguinte:

 

Natureza morta

A natureza morta sempre foi um ícone da pintura e do mundo artístico em geral. Artistas sem fim representaram durante séculos, incansavelmente, naturezas mortas de diversos formatos, grandes, pequenas, em papel ou em tela, a óleo, acrílico, aguarela, carvão, grafite, lápis de cor, pastel de óleo, seco ou húmido. Elaborada sempre segundo a mesma premissa: a representação de um dado grupo de objectos, ainda assim foi possuidora da elasticidade necessária para se moldar aos propósitos dos artistas mais divergentes que, recriando repetidamente concebiam, em fenómeno original, uma criação independente já do seu pretexto inicial. A natureza morta era fonte inesgotável de perspectivas multiformes que efectuavam alterações não só na sua percepção como objecto físico e matérico mas na própria revisão da noção de percepção.

Ponto Primeiro: Acerca da criação e recepção da natureza morta.

A apreensão da aparência final (de qual a natureza morta é apenas um exemplo concreto) e a sua observação e questionamento durante ou após o primeiro contacto conduzirão (ou pelo menos permitir-lhe-ão) a abertura de portas para novas realidades, como se este pudesse, através desse processo de interiorização, ‘escavar’ a obra até uma génese que não é já a sua própria (pelas mãos do artista), mas uma origem paralela que é já criação do próprio espectador.

Abandonamos a natureza morta porque nos ‘cansamos’ de a ver, esquecendo-nos que a importância residia no que desse processo de contemplação/ absorção poderíamos retirar, tal como aquele que pretende criar apreende no próprio processo de criação novas formas de percepção/ concepção/ experienciação/ etc. da realidade.

(é como dar à luz e todo o processo de carregar 9 meses um ser em formação dentro do ventre, com a consciência clara de que o acto de dar à luz é a consequência desse tempo esperado (claramente), mas também de que ainda que seja uma cria ‘sua’, que ela possui uma autonomia e uma individualidade, é um ‘ser vivo’ que, alimentado mais ou menos pelo seu criador (ou morto!) se revela(rá) em pessoa singular)

A arte não deve, portanto, submeter-se portanto à condição da expressão de uma individualidade e dos ‘gostos’ do seu criador, numa espécie de ‘dar-se a conhecer’ ou de se mostrar, expressando não aquilo que a sua criação deveria ser – arte – mas quem ou aquilo que o seu criador é. Desta deslocação de propósito (e que fique claro que não me encontro aqui a defender uma arte utilitária) é que derivam então as ‘tendências’ no mundo da arte, a irreverência e a excentricidade que se justificam a si próprias, a busca da diferença pela diferença. A diferença, não na forma como percepcionamos a natureza morta, mas na sua imagem superficial que assume audazmente uma multiplicidade de máscaras enquanto, por detrás, se encontra mais morta do que já era.

 

Ponto Segundo: Acerca do lugar, da temporalidade e da repetição.

 

A galeria de arte (onde os trabalhos artísticos são expostos) e a consequente parede branca, distante o mais possível da contaminação, carrega agora em si a contaminação burguesa e institucional, silenciosamente ditadoras, possuidoras de uma retórica suficientemente válida que parece fazer acreditar que a sua imaculada brancura o assim é para que qualquer prática do artista ávido tenha possibilidade de validação. Porém, a sombra ditatorial permanece, envolvendo a cria do artista numa espécie de campo magnético intocável, e aquele que em mãos a produziu vê-a agora (e permite!) que ela permaneça ali, intocável, enjaulada pela própria atmosfera que a acolheu. E se o não é pela atmosfera, é pelo segurança estático que se encontra à porta da sala.

A galeria* transforma-se portanto, pelas questões acima abordadas, na única condição expositiva do produto da reprodução seriada a que me propus e proponho, sendo que o objectivo do meu trabalho é a acumulação gradual de reproduções da mesma imagem colocadas sempre no “mesmo” lugar, acompanhadas pela presença da natureza morta originária, enquanto que essa definha lentamente e, em esquecimento, enclausurada no passado, se encontra agora em lentos processos de putrefacção, assumindo a forma de abrigo para bactérias e outros seres mais ou menos minúsculos que lá se alojaram e que possuem agora uma colónia de bolor.  Futuramente talvez venha a evoluir para um exótico habitat de larvas que provavelmente acabarão por digerir a sua própria casa. É este o futuro da natureza morta.

*(seleccionada por mim) _____________________________________________________________________________________________

 

PS.: Peço desculpa pela entrega tardia e virtual e obrigada pelo link do ressabiado!

Dora


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