Análise de “M”

By carlos

M. é um dos grandes clássicos do cinema sendo o primeiro filme falado alemão e foi
realizado pelo cineasta Friedrich Anton Christian Lang, mais conhecido como Fritz
Lang.
O filme nos conta a história de um assassino de crianças, meninas, que pelo tamanho
choque da população acaba sendo procurado tanto pela polícia quanto pelos mafiosos da
cidade.
Fritz Lang lançou seu filme no dia 11 de maio de 1931 no zoológico de Berlim, onde foi
ovacionado de pé pela audiência presente. A história de M. foi baseada na de Peter
Kürten, um assassino capturado em 1930 em Dusseldorf, cidade que também serviu de
fundo para o filme, que chegou a atacar cerca de 41 pessoas tendo 9 vítimas fatais e foi
apelidado “O vampiro de Dusseldorf” pelo fato de beber um pouco do sangue das
vítimas. Peter Kürten assim como Franz Becker (o assassino do filme), era de boa
aparência e amigável, e pela repercursão que tomou o caso na epóca, foi a maior
inspiração para Lang.
A relação sonora e imagética no filme é bem forte e relevante para o entendimento,
análise e compreensão do mesmo, podendo-se dizer que é construída numa junção
harmoniosa entre os silêncios e os sons numa quase perfeita adequação à narrativa.
Logo no início temos uma cena que podemos classificá-la como apresentação-sinopse
do filme, onde crianças, brincando, cantam uma melodia que diz : “um, dois, um dois, aí
vem o homem com a machadinha para fazer sua carne picadinha” , retratando
sonoramente os assasinatos, em uma canção que mais a frente, antagonicamente, serve
de consolo aos pais pelo fato de estarem ouvindo a canção sabem que as crianças estão
bem.
Somos apresentados ao assassino por meio de uma cena onde apenas o ouvimos
conversar com a sua próxima vítima, Elsie, e vemos sua sombra que se sobrepõe ao seu
próprio cartaz de procurado.
A cena seguinte em paralelo a anterior, mostra a mãe de Elsie, preparando a refeição
esperando a filha chegar da escola, que ouve o sinal do cuco e dos sinos com alegria no
rosto. Porém, o atraso da filha e o não ouvir ela a subir as escadas junto aos colegas se
transforma em desespero, e o último sinal do cuco serve como marcação da certeza de
que algo errado aconteceu.
Paralelamente estamos vendo a ação do assassino, que fica marcada na cena onde de
costas o vemos comprando um balão de um cego, que assim como nós não o enxerga
mas pelo seu assovio, o seu som, o consegue enxergar.
O assovio de Franz Becker da melodia Peer Gynt, Suíte I Op. 46, passa então a ser sua
marca registrada, e mais a frente veremos que esse será o elemento que o faz ser pego.
Além disso o elemento sonoro do assovio está diretamente ligado aos personagens mais
importantes da trama, que seriam o policial Lohmann e o chefe da máfia Schänker, que
são os únicos que assim como Becker tem uma assinatura sonora do assovio, mesmo
que em menor escala.
A mãe de Elsie começa a chamar por seu nome, e cada vez que a chama nos é mostrado
um referencial diferente: fora da janela, nas escadas, a mesa que deveria estar, e
finalmente a bola da menina, rolando ao chão junto ao balão preso nos fios elétricos que
foi dado a ela pelo assassino, segundo Michel Chion “a voz torna-se mais distante e
progressiva na reverberação”.
Eisner comenta:
“Com raro domínio, Lang utiliza o som em contraponto com a imagem:
esta é valorizada pelo som”.1
Chion explica:
“Há aqui, uma ligação sonora movendo-se, primeiramente, do simples
para a confusão e da confusão para o simples”.2
O próximo dia começa com o aviso dos “extra, extra extra”, usando o grito dessas
palavras como anúncio da tragédia, e com esses sons se consegue reuniar todas as
pessoas para ler o novo cartaz sobre o terrível “vampiro”. E aí então Lang usa o recurso
do som acusmático: um homem presente na população ali aglomerada que estaria lendo
o cartaz, porém o locutor é na verdade outra pessoa que estaria lendo a mesma notícia,
dando à locução uma espacialidade quase que completa na cidade.
A espacialidade do som juntamente com a temporalidade é demonstrada na cena
decorrente, onde ouvimos em poucos minutos a conversa da investigação forense dando
à polícia os relatos das técnicas, dificuldades e resultados encontrados, porém com o
que ouvimos em pouco tempo, juntamente com as imagens das investigações, chegamos
a conclusão de que se passaram vários dias em vários lugares.
O que se segue é a tão famosa cena onde Lang coloca em paralelo o encontro e
discussão da polícia e da mafia e como esses dois mundos antagônicos tomam suas
medidas para o mesmo fim: capturar o assassino de crianças. A cena se desenvolve com
as discussões que culminam no momento decisivo de silêncio, onde vemos o silêncio
preencher o lugar, se tornar audível, e ser a pontuação necessária para os diferentes
modos de tentativas de captura ao assassino.
Com a máfia requerendo a ajuda dos mendigos para vigiarem as crianças e pegarem o
assassino, nos é mostrado o cego, que reconhecemos sendo aquele que “viu” o assassino
com sua última vítima, e na cena em que ele retorna reconhecemos o seu apuro auditivo,
pois ao ouvir uma música sendo mal executada, coloca logo as mãos aos ouvidos e só as
retira quando ouve a mesma música sendo bem tocada.
O assovio de Becker nos é mais uma vez mostrado, agora relacionando ritmicamente os
desejos do assassino que vê uma próxima vítima em potencial, e conforme a vontade
vem crescendo o assovio se torna mais rápido, um quase estado de êxtase incontrolável,
porém ao ver a menina sendo levada pela mãe, a frustação toma conta e a música
imediatamente cessa. Assim o assassino, desolado, vai para um café onde continua
assoviando a sua música, mas agora com quebras e saltos como se fosse um desconforto
a ele, um fardo que ele carrega e não consegue se livrar, e com isso tenta colocar as
mãos aos ouvidos.
Podemos pensar que o assassino desista dessa vez de procurar uma vítma, porém a
próxima cena já nos mostra ele com uma criança, utilizando das suas técnicas préexecução,
e então passa assoviando a sua melodia, perto do cego, que reconhece a
música. É a mesma que ouviu quando a menina Elsie foi assassinada, e então
desesperado, o cego vai em busca de alguém para contar o que reconheceu, e pede a um
dos mendigos que siga o som, pois mesmo sem ver, sabe quem é a pessoa, onde o som
se torna a incorporação do próprio terror.
Franz Becker é perseguido então por um dos mendigos que deixa a marca em seu
casaco, com um M de giz, servindo de marca para identificação da máfia que o
encurrala em uma grande empresa fechada após o expediente. Apesar da marca visível
em seu casaco, ela não é suficiente para o apanhar, e assim o som se torna mais forte.
Assim como a música do assovio denunciou Becker, assim também o ruído o denuncia.
Música e som apontam o assassino: uma, como quem ele é e, o outro, onde se encontra,
e assim somente com o ruído do recinto onde estava escondido dentro da empresa é que
ele é apanhado, em uma cena estática que mostra Becker sendo capturado, onde ruídos
também são os construtores da imagem.
Na antiga destilaria Kuntz e Levy, Becker se encontra diante da máfia, que apesar de
serem assassinos como ele, o julgam culpado, e então Peter Lorre interpreta um dos
monólogos mais representativos do cinema, onde diz-se doente e que ouve vozes que o
motivam a cometer os crimes, e em um grito desesperado diz “ Não aguento ouvir as
vozes”.
“No auge do som, ressoa diante do júri dos bandidos o grito estridente de
Lorre, clamando que fora impulsionado por uma força invisível. É o ponto
mais alto desta escala trágica, melopéia em que som e imagens se fundem
num indestrutível contraponto”.3
Mesmo sendo psicologicamente debilitado, a máfia quer o matar, mas é impedida com a
chegada da polícia, e as frases acusmáticas “ Em nome da lei. Em nome do povo”.
Lang assim consegue criar uma obra prima que podemos dizer ser orquestrada entre
ruídos e silêncios, e como Einster diz:
“Lang seduzido pelas possibilidades de expressão do som, chegou muito
naturalmente aos contrapontos visuais e sonoros”.4
1 Eisner Cit. por EISNER, Lotte. A tela demoníaca, S. Paulo, Paz e Terra, 1985 p.109 [trad. livre]
2 Michel Chion Cit. por ALTMAN, Rick. Sound theory and sound practice,Routledge, Londres, 1992.
p. 109 [trad. livre]
3 Eisner Cit. por EISNER, Lotte. A tela demoníaca, S. Paulo, Paz e Terra, 1985 p.224 [trad. livre]
4 Eisner Cit. por EISNER, Lotte. A tela demoníaca, S. Paulo, Paz e Terra, 1985 p.223 [trad. livre]

BIBLIOGRAFIA
ALTMAN, Rick. Sound theory and sound practice,Routledge, Londres, 1992.
EISNER, Lotte. A tela demoníaca, S. Paulo, Paz e Terra, 1985.
GRANT, Barry Keith .Fritz Lang: interviews, Publicado por Univ. Press of Mississippi,
2003 [Consult.26-05-2009].
Disponível em WWW:

http://books.google.com.br/books?id=2lnwkFJMQC0C&printsec=frontcover#PPP1,M1

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