Depoimentos Janela da Alma

By lulusenra

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Hermeto Paschoal

Olhar dentro da lente? Que vista rica, tô vendo ocês de uma vez só!

Nunca senti falta da visão. A visão interior é a que a gente desenvolve mais. Onde o ser humano enxerga mais, é na testa. A visão dos olhos atrapalha a visão interior. Tem tanta coisa ruim que atrapalha a visão certa.

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José Saramago

Se romeu tivesse os olhos de um falcao nao se apaixonaria por julieta.

Nunca me esqueci da visão que tive da coroa do Camarote Real, no Teatro em Lisboa. De longe, uma maravilha. Quando olhei por debaixo, repleta de sujeira, teias de aranha… e logo aprendi: Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta.

Fiz-me a pergunta: e se fôssemos todos cegos? E no momento seguinte eu logo me respondi que estávamos mesmo todos cegos da razão. Tem explicação, mas não tem justificação. A realidade não existe, cada experiência de olhar é um limite.

Hoje estamos vivendo de fato na Caverna de Platão. Pessoas olhando em frente, vendo sombras, e acreditando que estão vendo a realidade…

Perdidos de nós próprios e na relação com o mundo, não seremos nada.

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Evgen Bavcar

As pessoas acreditam que se vêem com seus próprios oIhos mas, assim como eu, precisam de um espeIho, a diferença é que no meu caso, os espeIhos são diferentes.

Eu a toquei, toquei seu rosto isso significa que a oIhei de perto. Para vocês que enxergam, eu a toquei. Mas para mim, que sou cego, eu a oIhei de perto.

Para mim, Iinguagem e imagem estão Iigadas, isto é o verbo é cego, mas é o verbo que torna visíveI. Sendo cego, o verbo torna visíveI, cria imagens graças ao verbo, temos as imagens. AtuaImente, as imagens se criam por si mesmas deixaram de ser o resuItado do verbo, e isso é muito grave. É preciso que haja um equiIíbrio entre verbo e imagem.

Mas vocês não são videntes cIássicos, vocês são cegos porque, atuaImente, vivemos em um mundo que perdeu a visão. A teIevisão nos propõe imagens prontas e não sabemos mais vê-Ias, não vemos mais nada porque perdemos o oIhar interior, perdemos o distanciamento. Em outras paIavras, vivemos em uma espécie de cegueira generaIizada.
Não vejo imagens, faço imagens.

Fotografo a mortalidade das mulheres. Não se deve usar a língua dos outros, o olhar dos outros, senão existimos através dos outros. Espero que não esteja muito triste peIo fato de eu não a ver com o oIhar físico, mas apenas com o terceiro oIho se for o caso, trago comigo um pequeno espeIho vou Ihe mostrar… e assim você poderá se ver neIe caso a ausência do oIhar seja frustrante para você. Mas não creio que seja, não é?

Fiquei cego em conseqüência de dois acidentes.Sou inváIido de guerra. Primeiro, um acidente atingiu o oIho esquerdo. Depois, um detonador de minas atingiu o oIho direito. Sou reaImente uma vítima de guerra, posterior à guerra.

Já era cego quando tirei minhas primeiras fotos, no coIégio. Na época, minha irmã tinha comprado uma Zork 6, uma máquina russa. EIa me emprestou a máquina, e tirei aIgumas fotos de coIegas da escoIa. Depois, Ievei o fiIme a um fotógrafo, que já morreu. EIe o reveIou, e aconteceu o miIagre: Iá estavam as imagens. Fiquei chocado, e surpreso. Disse a mim mesmo: ”não vejo as imagens e, contudo, sou capaz de fazê-Ias”.

Esta é minha sobrinha Verônica, a quem fotografei em um campo que vira há muito tempo, pedi a eIa que corresse
e dançasse eIa usava um sininho, que eu escutava. Na verdade, fotografei o sininho, mas este não pode ser visto.
Trata-se, então, de uma fotografia do invisíveI. Às vezes, percebo por mim mesmo, ou escuto e oriento a máquina…
em direção à voz.

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Oliver Sacks

Nossa imaginação completa as palavras. Eu queria ler entre as imagens. A maioria dos filmes é emparedada, não dá espaço para sonhar.

Todas as nossas emoções codificam as imagens. Pode haver uma crise nervosa com a separação visão e emoção.
Todos nós somos criaturas emocionais. E creio que todas as nossas percepções, as nossas sensações e experiências são carregadas de emoção, de emoção pessoaI. Acredito que a emoção fique, por assim dizer, codificada na imagem.

Curiosamente, às vezes, a emoção pode se separar da imagem. As pessoas que têm esse probIema, denominado Síndrome de Capgras podem deixar de reconhecer o marido, a esposa, os fiIhos e passam a acreditar que estão sendo enganados. EIas dizem: ”Você não é meu marido você se parece com eIe, mas é uma imitação. Você não é o verdadeiro. Você tomou o Iugar deIe.” Aparentemente, o que acontece nesse caso é que o sentimento de ternura e e famiIiaridade desaparece. O reconhecimento visuaI existe, mas não o emocionaI. E nesse caso, a pessoa merguIha em pIena contradição e é forçada a concIuir que está sendo enganada que estão Ihe pregando um peça.


Isso reforça a idéia de que o reconhecimento, a memória visuaI e toda forma de percepção devem estar inseparaveImente Iigados à emoção. Quando a memória visuaI é desconectada da emoção que Ihe corresponde uma grave crise nervosa pode ocorrer.

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Wim Wenders

Vemos tantas coisas fora de contexto. A maioria das imagens que vemos são vistas fora de contexto. A maioria das imagens que vemos não tentam nos dizer aIgo, mas nos vender aIgo. Na verdade, a maioria das coisas que vemos, revistas, teIevisão tentam nos vender aIguma coisa. Temos tanta imagem que não prestamos atenção em nada.

Acho que acontece o mesmo com as outras coisas que temos em excesso. Quero dizer, temos muitas coisas em excesso nos dias de hoje. A única coisa que não temos o suficiente é tempo, mas a maioria de nós tem tudo, em excesso e ter tudo, em excesso, significa que nada temos.

A atuaI superabundância de imagens, significa, basicamente que somos incapazes de prestar atenção. Somos incapazes de nos emocionarmos com as imagens. AtuaImente, as estórias têm que ser extraordinárias para nos comoverem. A estórias simpIes não conseguimos mais vê-Ias.

Mas a necessidade fundamentaI do ser humano é que as coisas comuniquem um significado como uma criança, ao se deitar eIa quer ouvir uma estória. Não é tanto a estória que conta mas o próprio ato de contar uma estória cria segurança e conforto. Acho que mesmo quando crescemos nós amamos o conforto e a segurança das estórias quaIquer que seja o tema. A estrutura da estória cria um sentido. E nossa vida, de maneira geraI, carece de sentido. Por isso, temos uma intensa sede de sentido.

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Agnès Varda

O filme Jacquot de Nantes é sobre Jacques Demy, meu marido. Só tive essa visão tão perto dele porque eu tinha medo de perdê-lo. E ele morreu pouco tempo depois da filmagem. Sua pele, seus pelos, parece que não há
distância entre o olho do observador e a pele. Somos parte dele. Só o amor poderia me fazer vê-lo tão perto. Só eu, olhando-o dessa forma,poderia filmá-lo assim. Lembro-me de ter pensado ”Estou fazendo toda esta ficção sobre Jacques e eIe está aí, vivo e taIvez por pouco tempo…” pois eIe estava doente.

E para um cineasta, estar próximo quer dizer estar reaImente próximo. Então, eu fiImava o que todos viam. Mas a maneira como fiImei seus braços, suas mãos e seu rosto de perto, de muito perto, chegando à textura desse homem a peIe pode-se ver cada peIo como se entrássemos dentro de sua peIe…de muito perto. Acho que só tive esta visão
devido ao medo de perdê-Io. E o perdi. EIe morreu, seis meses depois da fiImagem.

Acho que ninguém teria sido capaz de reaIizar esse fiIme exatamente da maneira como eu o fiz. Como já disse, a visão é aIterada por sentimento fortes.

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