Análise de “O silêncio”

By carlos

O Silêncio
ووتكس

O Silêncio (Sokout), é um filme do realizador Iraniano Mohsen Makhmalbaf, nascido em 1957 em uma região pobre ao sul de Tehran. Mais tarde, ele se baseou nos milieu para os temas de seus filmes. Quando tinha 20 anos, seu pai saiu de casa e sua mãe foi forçada a trabalhar. Ele foi criado por sua avó, uma mulher muito piedosa que o levou a mesquita e incutiu nele a ideia de um islã aconchegante e encantador.
Quando era muito jovem, foi membro de uma organização militante islâmica que fazia oposição a Shah. Ele foi preso aos 17 anos após um ataque a uma delegacia de polícia e permaneceu na prisão de 1974 até 1979, sendo libertado no final da revolução.
Mohsen Makhmalbaf é o vencedor de mais de 30 importantes prêmios internacionais, incluindo a Legion d’honneur Medallion form France e The Best Asian Filmmaker of the world award do Pusan International Film Festival. Ele se tornou o Reitor da Academia de Cinema Asiático em 2007.
Muitas das obras de Mohsen Makhmalbaf, entre elas os seus filmes, são proibidos no Irã. Desde 2004 ele deixou o Irã, em protesto à extrema pressão da censura e do regresso do fascismo ao país.

No filme “O silêncio(Sokout)” de 1998, ganhador de prêmios internacionais como Golden Prize of Italian Parliament – Venice Festival (Italy) 1997 e Human, Art and Nature Award – Venice Festival (Italy) 1997, Makhmalbaf busca usar o som como um agente produtor de espaços mentais subjetivos que se interpõe à relação do espectador com a imagem, mostrando a visão do mundo de um garoto cego, Khorshid, através dos sons, e como essa visão de choca ou se diverge da visão  tradicional.Após vermos o filme entendemos o título “ O silêncio” que sugere o silenciar de Khorshid pela obrigação que tem com a mãe e o trabalho, e como no final se liberta disso, e finalmente começa a “enxergar” rompendo o silêncio.

Em entrevista para a seleção oficial de Veneza do “ Venice Festival Film” Makhmalbaf disse:
O filme faz referência a minha infância. Minha avó que era muito religiosa sempre me dizia: “ Se você ouvir a música, você vai para o inferno”. Ela fazia eu colocar meus dedos no ouvido quando saía pela rua, para não escutar nenhuma música. Era para o meu próprio bem. A primeira música que escutei foi a 5ª sinfonia de Beethoven, e fui profundamente afetado pelo esplendor da peça. Desde então as quatro notas ficaram em minha mente, como um poder magnético da música. Um ferreiro que trabalhava para nós disse que um dia, enquanto estava no ônibus, ele tinha tentado seguir um dos passageiros pois se sentiu atraído pela música que ele estava a ouvir, e ele tinha se perdido. Foi assim que eu tive a idéia para o filme.

O filme conta a história de cinco dias do cotidiano do menino, que precisa conseguir o dinheiro do aluguel para que ele e sua mãe não sejam despejados da casa onde moram, e que como foram abandonados pelo pai o principal sustento passa a ser o emprego que Khorshid tem como afinador de intrumentos.
Toda a narrativa se passa através das mesmas etapas diárias: a casa no rio, a paragem do autocarro, o trajeto, a oficina; porém, o trajeto, passa a ser imprevisível sendo construído de acordo com o que Khorshid escuta, que sempre o faz chegar atrasado no emprego, por isso no início do filme é aconselhado por sua amiga Saadat a ficar de ouvidos tapados para não se distrair e se perder por uma bela voz ou uma música, que é o que sempre acaba acontecendo, levando o garoto a ser despedido.

No primeira etapa diária, o garoto e a mãe são sempre despertados pelo senhorio do casebre, que bate sempre a porta na mesma ritmia que as as quatro primeiras notas da 5 sinfonia de beethoven, o que passa a ser um som padrão para Khorshid; nessa mesma hora quando se abre a porta, não se ouve a voz do senhorio, mas sim o zumbido de uma abelha, que só se cessa ao fechar a porta.
Esse zumbido é ouvido ao longo de todo o filme, como se fosse uma capacidade que Khorshid tem de classificar as pessoas, como pessoas ruins, as que ele ouve como um zumbido de abelha que pousa em esterco, e como pessoas boas, o zumbido da abelha que pousa em flores. O zumbido da abelha vai sempre acompanhar Khorshid como se fosse o seu dom/som pessoal que fica bem claro na cena onde ele se olha no espelho, que como não tem uma imagem que ele possa ver, ele se projeta sonoramente.

Na paragem do autocarro o garoto é sempre levado por sua amiga Saadat, de quem compra os alimentos para passar o dia, que curiosamente é escolhido não pela mãe mas pelo próprio Khorshid, que as escolhe não pela qualidade visual mas pela voz da vendedora, a que tiver uma boa voz, ao entender dele que é guiado pelo som, tem um bom aspecto.

O trajeto que percorre diariamente ao trabalho tem um destaque importante no filme pois é a parte onde o som e a música estão mais presentes e onde afetam a vida do garoto. No primeiro dia mostrado dentro do ônibus, são vistas duas meninas que parecem tentar decorar uma passagem da poesia de Rubayat de Omar, mas só conseguem quando são aconselhadas por Khorshid a enxergar como ele enxerga, pelo som, e assim acaba acontecendo que elas também se perdem e passam da paragem onde deveriam saltar, nos mostrando como o som segue por um caminho, ou seja, uma lógica diferente da visão, que é melhor abordado na situação seguinte onde nos mostra sua companheira de trabalho Nadereh vindo buscar o garoto para o conduzir até a oficina, porém Khorshid acaba se perdendo da amiga sendo guiado por uma música diferente de que ele geralmente estava acostumado a ouvir.
Naderah, ao perceber a ausência do amigo, coloca-se no seu lugar, fecha os olhos e procura perceber o mundo como ele, e começa a enxergar através do som sendo guiada perfeitamente ao encontro de Khorshid por uma música acústica, tocada numa casa de chá, reforçando a idéia de que a visão e a audição seguem lógicas diferentes, pois teoricamente se acha a pessoa perdida procurando com o olhar e não com o ouvido.

Na oficina, onde Khorshid trabalha como afinador, novamente nos deparamos com o zumbido da abelha que é associada ao seu patrão, que o próprio quando pergunta ao menino o que consegue ouvir, diz que é uma abelha que pousa em esterco e acaba sendo comparado a essa abelha pelo patrão, que cria uma simbologia de que ali, ele como uma abelha, não estava onde queria ou deveria estar, que ali era onde ele teria um “barulho” ruim, que é comprovado pelo intrumentos desafinados que a oficina produz.
Durante o trabalho de afinar os intrumentos, Khorshid tem a ajuda de Nadereh, que se prepara visualmente com pétalas de flores nas unhas e cerejas nas orelhas, e assim começa como se fosse um ritual rítmico e musical onde o intrumento é afinado pelo som por Khorshid mas é afinado através da dança por Nadereh.

Então o ciclo diário se repete: a casa no rio, a paragem do autocarro, o trajeto, a oficina, porém a cada dia há um crescente na composição sonora, tanto que quando é acordado pelo senhorio cobrando a renda, a batida sempre é acompanhada ou até substituída pela 5ª sinfonia de Beethoven, ficando mais evidente a relação e importância e marcação desse ritmo ou notas no dia do garoto.

O trajeto passa a ser a parte mais ressaltada a partir do segundo dia, onde nos mostra mais uma vez como o som, ou a partir daÍ a música tocada pelo rubab, fazem Khorshid se perder de acordo com a visão, mas se encontrar de acordo com a audição.
No ônibus em direção ao trabalho, o menino fica mais uma vez com os ouvidos tampados com o dedo, e escutamos um som que parece ser um som mental, que é o barulho de água, que se refere à mãe, à casa e à questão que deve ser priorizada, mas nos mostra que quando tira um dos dedos do ouvido, ele escuta um músico tocando, e assim esquece o som da água, das prioridades, e passa a querer seguir a música.

No caminho até a oficina passa por uma espécie de fábrica manual de tachos, que estão sendo abaulados por batidas de martelos que não tem ritmo algum, e assim o garoto se lembra da única batida que não sai de sua mente, que é a batida do senhorio na sua porta, as quato notas inicias da 5ª sinfonia de Beethoven e sugere que os produtores trabalhem martelando nesse ritmo, pois para ele essa é a visão da sua vida, acha que por esse som é que a vida deve ser regida, a sua visão, porém os mesmos não entendem e acham besteira.

E assim diariamente Khorshid segue em busca da música do tocador de rubab, simbologicamente em sua busca interior, sua busca pela sua visão, e com isso acaba sendo despedido e despejado de sua casa, mas assim que esses dois eventos acontecem, o garoto parece ter encontrado a liberdade, que no filme é representada com o correr pelo rio ao som da música, como se agora como não existisse preocupações e obrigações ele finalmente seria livre para “enxergar” como queria.

Seguindo a crescente musicalidade na rotina de Khorshid, e a catarse de finalmente se focar em suas prioridades sonoras, o garoto volta à fabrica de tacho, onde os produtores parecem ter entendido o que significavam aquelas pequenas e rítmicas batidas (pom pom pom POM), e liberta-se do que lhe sobrou do medo e da responsabilidade que tinha associado ao bater da porta para, a partir dela, transverberar em luz e som a 5ª sinfonia de Beethoven regida pelo menino.

Assim, Mohsen Makhmalbaf realiza uma obra prima através do olhar/ouvir individual que se choca com o coletivo, reconstrói o espaço vivido por uma criança cega, que projeta sua relação com os ambientes sonoros que percorre os sons da casa e seu valor afetivo, os do medo e da alegria; do desafinado ao afinado; do silêncio ao som; do ruído à música.

Referências Bibliográficas
Voz na luz: psicanálise & cinema Por Dinara Machado Guimarães
Editora Garamond, 2004 ISBN 8576170264, 9788576170266 – 185 páginas
Resenhas de:
Variety (David Stratton)
DVD Town (Christopher Long)
CultureCartel.com (John Nesbit)
Ozus’ World Movie Reviews (Dennis Schwartz)
San Francisco Chronicle (Mick LaSalle)
San Francisco Examiner (Wesley Morris)
Combustible Celluloid (Jeffrey M. Anderson)
not coming to a theater near you (Ian Johnston)
Site oficial do Mohsen Makhmalbaf http://www.makhmalbaf.com/

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